02/09/2025

Projeto contra devedor contumaz propõe capital mínimo para setor de combustíveis após ação contra PCC

Por: Bruna Lessa
Fonte: O Globo
O senador Efraim Filho (União Brasil-PB) apresentou nesta segunda-feira o
relatório do projeto de lei que institui o Código de Defesa do Contribuinte e
estabelece regras mais duras contra o chamado “devedor contumaz”, que são
empresas e pessoas que deixam de pagar impostos de maneira planejada e
repetida para fraudar o Fisco.
A proposta deve ser votada nesta terça-feira no plenário do Senado.
O texto ganhou força depois da Operação Carbono Oculto, da Receita Federal
e da Polícia Federal, que revelou um esquema bilionário de sonegação e lavagem
de dinheiro ligado à organização criminosa PCC. O grupo usava postos de
combustíveis, fintechs e fundos de investimento para movimentar valores sem
recolher os tributos devidos.
— Logicamente a operação da semana passada foi um empurrão que faltava
para que esse projeto viesse à tona. E apesar de ser árido e técnico o tema do
devedor contumaz, ele é um projeto que dialoga com a vida real das pessoas.
Esse é um projeto de ganha-ganha — disse Efraim.
Segundo o relator, a proposta busca diferenciar inadimplência momentânea de
empresas que passam por dificuldades financeiras da contumácia, caracterizada
por dívida reiterada, substancial e injustificada.
— O alvo são empresas criadas para fraudar, verdadeiras ‘casca de ovo’, sem
patrimônio e em nome de laranjas — afirmou Efraim.
Veja pontos do projeto
· Será considerado devedor contumaz quem acumular dívida acima de R$
15 milhões de forma reiterada e sem justificativa;
· Proteção a pequenas empresas: inadimplência temporária ou discussões
judiciais não caracterizam contumácia;
· Medidas cautelares: a Receita Federal poderá suspender o CNPJ de
empresas classificadas como contumazes e paralisar suas atividades;
· Atuação conjunta: órgãos como Coaf, Gaeco e Ministério Público
poderão agir em cooperação para rastrear fraudes;
· Alcance nacional: por ser um projeto de lei complementar, as regras
poderão ser aplicadas também por estados e municípios, atingindo casos
de fraude com ICMS e ISS;
· Programas de conformidade: empresas adimplentes poderão ter
benefícios como redução de multas, advertências em vez de penalidades
e prioridade em operações de comércio exterior.
· Empresas que pagam impostos em dia poderão ter um bônus de
adimplência fiscal, correspondente ao desconto de 1% no pagamento à
vista do valor devido da CSLL.
O devedor contumaz fica proibido de obter quaisquer benefícios fiscais, de
participar de licitações públicas e formar vínculos de qualquer tipo com o
governo. Também não poderá propor recuperação judicial.
O texto diz que a identificação dos contribuintes que sejam considerados bons
pagadores e cooperativos na aplicação da legislação tributária poderá permitir o
acesso a canais de atendimento simplificados para orientação e regularização; a
possibilidade de antecipar a oferta de garantias para regularização de débitos
futuros e a priorização na análise de processos administrativos, em especial os
que envolvem a possibilidade de devolução de créditos ao contribuinte, entre
outros pontos.
Combustíveis e fintechs
O projeto também altera regras para venda de combustíveis, após a operação
da PF. Diz que uma empresa precisará ter capital social mínimo de R$ 1 milhão
para atuar na revenda, de R$ 10 milhões para distribuição e de R$ 200 bilhões
para produção de combustíveis.
Além disso, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) vai exigir comprovação da
licitude dos recursos aportados e identificar o titular efetivo das empresas
interessadas.
O relator argumenta que inibir a atuação de pessoas interpostas – os chamados
“laranjas” – e possibilitar ajustes regionais considerando custos e
especificidades fortalece os mecanismos de controle sobre o setor de
combustíveis e mitiga o risco de apropriação do mercado por organizações
criminosas.
"Essa alteração legislativa é coerente com o imperativo de retomar o controle
do setor estratégico que está sob ataque de grupos criminosos estruturados,
como o PCC. Ao dificultar o acesso de agentes fraudulentos ao mercado formal,
a proposição representa um avanço importante na retomada da legalidade, da
concorrência leal e da proteção do interesse público", diz.
Em outro ponto, diz que as instituições de pagamento e os participantes de
arranjos de pagamentos (as fintechs) sujeitam-se às normas e obrigações
acessórias definidas pelo Poder Executivo destinadas a assegurar a adequada
fiscalização, acompanhamento e transparência de suas operações. Essas
normas, porém, não são definidas na lei.
"A medida tem por objetivo a ampliação do controle de movimentações
financeiras para prevenção à lavagem de dinheiro, como nos casos verificados
na Operação 'Carbono Oculto'", diz o relator.
R$ 200 bilhões
O senador também afirmou que o impacto econômico pode ser expressivo. Ele
citou estudos da Receita Federal que apontam que cerca de 1.200 empresas
acumularam R$ 200 bilhões em dívidas na última década, valores que são
considerados irrecuperáveis por estarem em nomes de "laranjas" ou CNPJs já
encerrados.
— Estima-se que 10% disso a cada ano possa voltar, em torno de R$ 20 a R$
30 bilhões possam ser recuperados gradualmente com o retorno dessas
atividades — disse.
O projeto ainda estabelece três programas da Receita:
Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia): ação de conformidade
tributária de adesão voluntária, que visa a incentivar o cumprimento das
obrigações tributárias e aduaneiras por meio da construção de relacionamento
cooperativo entre a Receita e os contribuintes participantes.
Programa de Estímulo à Conformidade Tributária (Sintonia): visa a estimular o
cumprimento das obrigações tributárias e aduaneiras por meio da concessão de
benefícios aos contribuintes classificados com base em critérios relacionados a
regularidade cadastral e no pagamento de impostos.
Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado (Programa OEA):
para fortalecer a segurança da cadeia de suprimentos internacional e estimular
o cumprimento voluntário da legislação aduaneira, por meio de medidas de
facilitação do comércio que simplifiquem e agilizem as formalidades e os
procedimentos de importação, exportação e trânsito aduaneiro de bens.
Expectativa de aprovação
O parlamentar afirmou que o texto já passou por debates com o Ministério da
Fazenda, a Receita Federal, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a
Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e outros setores
produtivos.
— A minha expectativa é que amanhã, com todo o trabalho de concertação,
articulação e a própria luz que veio sobre o tema para o conhecimento de toda
a sociedade, amanhã nós tenhamos uma ampla e sólida maioria para aprovação
desse projeto, que, como eu disse, é um projeto de ganha-ganha — disse.